Lendo o
livro “Estórias que nunca foram escritas de Juarez de Azevedo “JUERP” 1981,
encontrei um texto com o titulo “A CONFISSÃO DE PECADOS” que aqui passo a
narrar.
Há tempo que
não havia conversões na igreja, e o velho pastor, sabido e experiente,
sentenciou, no sermão doutrinário de domingo, com a autoridade ameaçadora de um
profeta:
- Há pecado
oculto aqui nesta igreja! E a atitude do crente verdadeiro é uma só: confessar
o seu pecado.
A conclusão
da mensagem foi dramática:
- Ou nos arrependemos
ou, então, o atrofiamento, a estagnação, o indiferentismo, a inércia serão
motivos suficientes para que o inexorável castigo do céu caia sobre nós, como
uma chuva ardente de fogo e enxofre.
Foi um dia
de alvoroço entre os crentes, logo após o culto da manhã. Todos se
entreolharam, como se cada crente estivesse descobrindo no outro a razão da
falta de crescimento da igreja.
Segunda-feira
à noite, lá estava reunido, secretamente, o grupo dos diáconos, tal a
repercussão da última mensagem do pastor.
O presidente
do chamado “corpo diaconal”, mais velho e mais vivido na fé, após haver
fechado, com todo o cuidado, as portas davam acesso à sala de reuniões, começou
a fazer uma exortação de sentido profundamente sério e muito grave:
- Irmãos,
convenhamos, acho que o pastor está com a razão. Para mim, tudo o que ele falou
é a expressão da mais pura e genuína verdade. Há mesmo muito pecado oculto, não
confessado entre nós, e o resultado aí está: a igreja paralisada.
A expressão
do olhar dos presentes deu a entender ao velho diácono que o assentimento era
total.
Agora, cheio
de coragem, mas, comedidamente e em tom confidencial, o diácono continuou:
- Comecemos
logo aqui e agora. Esta é uma boa hora de confissão. Nada de demora; talvez nós
sejamos a causa principal da frieza que se nota no trabalho e nosso gesto
poderá desencadear um processo de avivamento geral, não acham?
Silêncio
total. Ninguém se atrevia a ser o primeiro a iniciar a confissão proposta.
Dúvidas e receios pairavam no ambiente fechado, como se a proposição ouvida
houvesse causado o impacto de uma surpresa inesperada.
O líder do
grupo, mais maduro, movido por uma intenção motivadora, falou convicto e
resoluto:
- Tendo em
vista que estou notando alguma indecisão da parte dos irmãos, eu vou tomar a
liberdade de ser o primeiro a confessar as minhas falhas. Elementos da
liderança, como nós, não podemos manter ocultos os nossos deslizes e pecados.
E começou a
falar compassadamente, demonstrando uma atitude sincera de arrependimento
profundo:
- Irmãos, eu
estou vivendo realmente, em pecado. Pecado horrível!...
O mais novo
dos diáconos atalhou a descrição do colega, e interrogou, apressado e
indiscreto:
- E qual é o
seu pecado, irmão, qual é?
Suspense e
soluços do velho diácono que falou
baixo, mas de modo francamente audível pelo grupo:
- É o jogo,
irmãos, é o maldito do jogo. Há muitos anos que eu não deixo de fazer a minha “fezinha”
no jogo do bicho.
O mais novo
insistiu, querendo saber detalhes:
- E o irmão
já tirou alguma vez?
- Já, irmão,
já! Umas quatro vezes, que me lembre.
E falou,
chorando aos prantos:
- Na
borboleta... no Coelho... no Elefante... e no cavalo!...
E concluiu:
- Que
alívio! Tirei um peso terrível da minha consciência.
Como uma
confissão faz bem à alma!
Estimulado
pelo depoimento do colega, o segundo diácono começou a falar, já um tanto
emocionado com o choro que presenciara:
- De
antemão, como crente que sou, público, arrependido, a minha falta maior.
Confesso e choro, amargamente, o meu pecado.
E segredou,
entre as palavras entrecortadas por lágrimas copiosas:
- Meu grande
pecado é o amor ao dinheiro, é o dinheiro, no duro! Tenho levado uma vida de
caloteiro e até tenho me apossado, indevidamente, do dinheiro dos outros.
Nesse
momento, passou a falar com timidez.
- Querem
saber de uma coisa? O dinheiro que faltou no cofre da repartição, no mês
passado, ninguém sabe, mas fui eu que tirei, sob desculpa de repor
oportunamente.
Ainda o
diácono mais novo, arregala os olhos e pergunta com ansiedade:
- E quando
foi, irmão, em quando importa o desfalque, hein?
- Vinte mil
cruzeiros, irmãos – respondeu o diácono.
E acrescentou:
- Mas estou
arrependido e prometo que vou fazer como Zaqueu: Devolverei tudo
quadruplicadamente.
O terceiro diácono,
nesta altura, trêmulo, já não se dominava e também chorou lágrimas de
arrependimento, fazendo a sua confissão:
- Eu também
estou em pecado, e pecado grave, irmãos.
O presidente
da reunião ponderou, com uma palavra de conforto:
- Nada de
acanhamento, irmão, confesse tudo, e o perdão virá. Ademais, só nós aqui
saberemos o que se passa com sua vida.
O diácono
novo, então sintonizou bem os ouvidos e fixou o olhar no companheiro, com o fim
de captar tudo da sua confissão.
E ouviu-se a
fala do terceiro diácono:
- Bem, meus
irmãos, o meu pecado é a bebida. Praticamente eu me tornei um viciado. É verdade
que eu não ando bebendo em botequins, mas escondido, nunca deixo de tomar as
minhas “chamadas” até de pinga, geralmente sob o falso pretexto de que pretendo
simplesmente abrir o apetite.
Imaginem,
agora, um diácono sexagenário, de joelhos e de mãos postas pra cima, a gritar
desesperadamente:
- Misericórdia!
Misericórdia! Perdão! Estou arrependido! – tudo isso acompanhado de prantos e
soluços clamorosos.
Passada esta
cena, os três diáconos voltaram os olhares para o mais novo e aguardaram a sua
confissão.
Nada. O
diácono calado, pensativo, não dava uma só palavra que fosse.
Os outros o
encaravam firmes, com vontade de dizer, em uníssono:
- Fale,
irmão, é a sua vez!
O quarto
diácono continuava silencioso e o velho líder do corpo diaconal falou:
incentivando:
- Pode se
abrir, irmão. Faça como nós fizemos, para o próprio bem da igreja. Confesse
também o seu pecado!
- Não posso,
irmãos, não posso, meu pecado eu não posso confessar nunca! – foi a resposta.
Os outros
insistem e os três diáconos falam, quase a uma só voz:
- É a sua
vez, não venha dizer que o pecado do irmão é mais grave que o nosso e, por
isso, se constitui o maior empecilho ao desenvolvimento da igreja...
Relutante,
mas forçado e quase intimidado pelos outros três mais velhos, o diácono novo
também chorou e começou a falar:
- Eu vou
confessar meu grave pecado, só por que os irmãos estão me forçando demais.
Os três
primeiros aguardavam uma bomba, criando, na imaginação, a ideia de um desses
pecados horrorosos, no mínimo, relacionado com a quebra dos mandamentos da
velha dispensação.
O último diácono
soluçou, mas falou com ênfase inconveniente:
- O meu
pecado maior, irmãos, é a língua!
- O quê? –
perguntaram os três companheiros, surpreendidos.
- A língua,
irmãos. Querem que eu fale gritando?
- Não, não,
não, irmão – foi a resposta que se ouviu.
E o diácono
novo concluiu:
- E o pior é
que eu não posso ouvir nada, que fico
logo doidinho para contar tudo o que ouvi a outras pessoas, irmãos.
E
acrescentou, finalizando:
- E ainda
não arranjei um jeito de me livrar desse pecado horrível.
Os três
primeiro baixaram a cabeça. Depois, levantaram os olhos para cima, todos três
com as mãos na cabeça a esfregar nervosamente os cabelos já grisalhos. Tudo
indicava que queriam dizer, atemorizados, as palavras da expressão vulgar de
desespero: “ Estamos fritos. “
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