segunda-feira, 15 de julho de 2013

O DOM DE REVELAÇÃO

Lendo o livro “Estórias que nunca foram escritas de Juarez de Azevedo “JUERP” 1981, encontrei um texto com o titulo “A CONFISSÃO DE PECADOS” que aqui passo a narrar.
Há tempo que não havia conversões na igreja, e o velho pastor, sabido e experiente, sentenciou, no sermão doutrinário de domingo, com a autoridade ameaçadora de um profeta:
- Há pecado oculto aqui nesta igreja! E a atitude do crente verdadeiro é uma só: confessar o seu pecado.
A conclusão da mensagem foi dramática:
- Ou nos arrependemos ou, então, o atrofiamento, a estagnação, o indiferentismo, a inércia serão motivos suficientes para que o inexorável castigo do céu caia sobre nós, como uma chuva ardente de fogo e enxofre.
Foi um dia de alvoroço entre os crentes, logo após o culto da manhã. Todos se entreolharam, como se cada crente estivesse descobrindo no outro a razão da falta de crescimento da igreja.
Segunda-feira à noite, lá estava reunido, secretamente, o grupo dos diáconos, tal a repercussão da última mensagem do pastor.
O presidente do chamado “corpo diaconal”, mais velho e mais vivido na fé, após haver fechado, com todo o cuidado, as portas davam acesso à sala de reuniões, começou a fazer uma exortação de sentido profundamente sério e muito grave:
- Irmãos, convenhamos, acho que o pastor está com a razão. Para mim, tudo o que ele falou é a expressão da mais pura e genuína verdade. Há mesmo muito pecado oculto, não confessado entre nós, e o resultado aí está: a igreja paralisada.
A expressão do olhar dos presentes deu a entender ao velho diácono que o assentimento era total.
Agora, cheio de coragem, mas, comedidamente e em tom confidencial, o diácono continuou:
- Comecemos logo aqui e agora. Esta é uma boa hora de confissão. Nada de demora; talvez nós sejamos a causa principal da frieza que se nota no trabalho e nosso gesto poderá desencadear um processo de avivamento geral, não acham?
Silêncio total. Ninguém se atrevia a ser o primeiro a iniciar a confissão proposta. Dúvidas e receios pairavam no ambiente fechado, como se a proposição ouvida houvesse causado o impacto de uma surpresa inesperada.
O líder do grupo, mais maduro, movido por uma intenção motivadora, falou convicto e resoluto:
- Tendo em vista que estou notando alguma indecisão da parte dos irmãos, eu vou tomar a liberdade de ser o primeiro a confessar as minhas falhas. Elementos da liderança, como nós, não podemos manter ocultos os nossos deslizes e pecados.
E começou a falar compassadamente, demonstrando uma atitude sincera de arrependimento profundo:
- Irmãos, eu estou vivendo realmente, em pecado. Pecado horrível!...
O mais novo dos diáconos atalhou a descrição do colega, e interrogou, apressado e indiscreto:
- E qual é o seu pecado, irmão, qual é?
Suspense e soluços do velho diácono  que falou baixo, mas de modo francamente audível pelo grupo:
- É o jogo, irmãos, é o maldito do jogo. Há muitos anos que eu não deixo de fazer a minha “fezinha” no jogo do bicho.
O mais novo insistiu, querendo saber detalhes:
- E o irmão já tirou alguma vez?
- Já, irmão, já! Umas quatro vezes, que me lembre.
E falou, chorando aos prantos:
- Na borboleta... no Coelho... no Elefante... e no cavalo!...
E concluiu:
- Que alívio! Tirei um peso terrível da minha consciência.
Como uma confissão faz bem à alma!
Estimulado pelo depoimento do colega, o segundo diácono começou a falar, já um tanto emocionado com o choro que presenciara:
- De antemão, como crente que sou, público, arrependido, a minha falta maior. Confesso e choro, amargamente, o meu pecado.
E segredou, entre as palavras entrecortadas por lágrimas copiosas:
- Meu grande pecado é o amor ao dinheiro, é o dinheiro, no duro! Tenho levado uma vida de caloteiro e até tenho me apossado, indevidamente, do dinheiro dos outros.
Nesse momento, passou a falar com timidez.
- Querem saber de uma coisa? O dinheiro que faltou no cofre da repartição, no mês passado, ninguém sabe, mas fui eu que tirei, sob desculpa de repor oportunamente.
Ainda o diácono mais novo, arregala os olhos e pergunta com ansiedade:
- E quando foi, irmão, em quando importa o desfalque, hein?
- Vinte mil cruzeiros, irmãos – respondeu o diácono.
E acrescentou:
- Mas estou arrependido e prometo que vou fazer como Zaqueu: Devolverei tudo quadruplicadamente.
O terceiro diácono, nesta altura, trêmulo, já não se dominava e também chorou lágrimas de arrependimento, fazendo a sua confissão:
- Eu também estou em pecado, e pecado grave, irmãos.
O presidente da reunião ponderou, com uma palavra de conforto:
- Nada de acanhamento, irmão, confesse tudo, e o perdão virá. Ademais, só nós aqui saberemos o que se passa com sua vida.
O diácono novo, então sintonizou bem os ouvidos e fixou o olhar no companheiro, com o fim de captar tudo da sua confissão.
E ouviu-se a fala do terceiro diácono:
- Bem, meus irmãos, o meu pecado é a bebida. Praticamente eu me tornei um viciado. É verdade que eu não ando bebendo em botequins, mas escondido, nunca deixo de tomar as minhas “chamadas” até de pinga, geralmente sob o falso pretexto de que pretendo simplesmente abrir o apetite.
Imaginem, agora, um diácono sexagenário, de joelhos e de mãos postas pra cima, a gritar desesperadamente:
- Misericórdia! Misericórdia! Perdão! Estou arrependido! – tudo isso acompanhado de prantos e soluços clamorosos.
Passada esta cena, os três diáconos voltaram os olhares para o mais novo e aguardaram a sua confissão.
Nada. O diácono calado, pensativo, não dava uma só palavra que fosse.
Os outros o encaravam firmes, com vontade de dizer, em uníssono:
- Fale, irmão, é a sua vez!
O quarto diácono continuava silencioso e o velho líder do corpo diaconal falou: incentivando:
- Pode se abrir, irmão. Faça como nós fizemos, para o próprio bem da igreja. Confesse também o seu pecado!
- Não posso, irmãos, não posso, meu pecado eu não posso confessar nunca! – foi a resposta.
Os outros insistem e os três diáconos falam, quase a uma só voz:
- É a sua vez, não venha dizer que o pecado do irmão é mais grave que o nosso e, por isso, se constitui o maior empecilho ao desenvolvimento da igreja...
Relutante, mas forçado e quase intimidado pelos outros três mais velhos, o diácono novo também chorou e começou a falar:
- Eu vou confessar meu grave pecado, só por que os irmãos estão me forçando demais.
Os três primeiros aguardavam uma bomba, criando, na imaginação, a ideia de um desses pecados horrorosos, no mínimo, relacionado com a quebra dos mandamentos da velha dispensação.
O último diácono soluçou, mas falou com ênfase inconveniente:
- O meu pecado maior, irmãos, é a língua!
- O quê? – perguntaram os três companheiros, surpreendidos.
- A língua, irmãos. Querem que eu fale gritando?
- Não, não, não, irmão – foi a resposta que se ouviu.
E o diácono novo concluiu:
- E o pior é que eu não posso ouvir nada,  que fico logo doidinho para contar tudo o que ouvi a outras pessoas, irmãos.
E acrescentou, finalizando:
- E ainda não arranjei um jeito de me livrar desse pecado horrível.

Os três primeiro baixaram a cabeça. Depois, levantaram os olhos para cima, todos três com as mãos na cabeça a esfregar nervosamente os cabelos já grisalhos. Tudo indicava que queriam dizer, atemorizados, as palavras da expressão vulgar de desespero: “ Estamos fritos. “

Nenhum comentário:

Postar um comentário