Se Deus criou o universo, quem criou Deus ?
A pergunta é "absurda", diz o matemático John Lennox, da
Universidade de Oxford, na Inglaterra. "Deus é eterno; ele não foi criado,
sempre existiu", afirma o professor, enfático. "A única razão pela
qual alguém pode perguntar isso é para dizer que não há realidade definitiva.
Quem criou o Deus, que criou o Deus, que criou o Deus? Vamos retroceder no
tempo para sempre."
Lennox é um dos notáveis defensores do "design inteligente",
teoria que combina conceitos científicos e teológicos para explicar a origem do
universo e a evolução da vida na Terra. Ele foi o convidado de honra do
simpósio Darwinismo Hoje, organizado neste mês pela Universidade Presbiteriana
Mackenzie, em São Paulo - cujo colégio ensina o design nas aulas de ciência.
O professor, cristão, de origem irlandesa, faz questão de dizer que o
design inteligente não é só um "criacionismo disfarçado". Segundo
ele, suas opiniões são baseadas em lógicas científicas que demonstram a
existência de Deus. Ele é um forte crítico do biólogo Richard Dawkins, seu
"colega" de Oxford e autor de Deus, uma Ilusão, para quem a evolução
darwiniana é suficiente para explicar a vida na Terra.
"Dawkins acha que ele foi criado pelo universo. Então eu pergunto:
Quem criou o criador dele?", rebate Lennox. "Viu só? A pergunta
funciona para os dois lados." A seguir, os principais trechos da
entrevista concedida ao Estado.
Como o senhor contaria a história do universo, com base no design
inteligente?
Bem, no início, Deus criou o mundo. Quando isso aconteceu, eu não sei. A
Bíblia não diz. A melhor estimativa hoje é em torno de 13 bilhões de anos
atrás. Não vejo problema com isso. A descrição científica do universo se
expandindo a partir de um ponto inicial é fascinante, porque foi só a partir
dos anos 60 que os físicos começaram a falar nisso. Por séculos, eles aceitaram
a versão de Aristóteles, de que o universo sempre existiu. Mas a Bíblia sempre
disse que houve um início. É o que eu chamo de convergência. Ciência e teologia
buscam respostas para perguntas muito diferentes, mas não totalmente
diferentes.
Então o senhor não vê conflito entre a ciência do Big Bang e a teologia
da Criação?
Não. O que o Big Bang nos diz é que houve um início, representado por
uma singularidade (um ponto de massa e densidade infinitas). O que os
cientistas fazem é apontar para trás e dizer sinto muito, não posso ir além
desse ponto, porque aqui as leis da física deixam de funcionar. A pergunta
lógica que se faz é: qual é a causa dessa singularidade? Aí entram as
Escrituras e dizem: Deus é responsável. Isso não é anticiência, é algo que faz
sentido.
Mas a mesma pergunta pode ser feita sobre Deus: Se ele criou o universo,
quem criou Deus?
Se você me pergunta isso, significa que você pensa em Deus como algo que
foi criado. A maioria de nós (cristãos) nunca acreditou nisso. A pergunta que
não quer calar é outra, muito mais profunda: existe algo eterno, que nunca foi
criado? Deus é eterno, segundo a fé cristã; ele não foi criado, sempre existiu.
Perguntar quem o criou é absurdo. E o que dizer sobre a matéria e a energia? Os
materialistas acreditam que elas são eternas. De ambos os lados do debate há
uma realidade definitiva. Para mim, essa realidade é Deus. Para o materialista,
é matéria e energia. Então, não venha discutir comigo sobre quem criou Deus. A
verdadeira pergunta que devemos fazer é: Para que lado apontam as evidências?
O que diz o design inteligente?
É importante contextualizar isso, porque estou cansado das
interpretações equivocadas que são feitas. A pergunta que está na base do assim
chamado "movimento do design inteligente" é esta: há evidências
científicas de que o universo não é um sistema fechado; de que houve um input
de inteligência na sua criação? O que buscamos fazer com isso é separar a
questão científica da questão teológica. Imagine o seguinte: você e eu voamos
para Marte e encontramos lá várias pilhas de cubos de titânio. A primeira pilha
tem 2 cubos, a segunda 3, depois 5, 7, 11, 13 e assim por diante, seguindo a
ordem de números primos. O que você acharia disso? Certamente alguém esteve lá
antes de nós, mas quem? Podemos concluir que aquilo é um arranjo inteligente,
mesmo sem saber a identidade da inteligência que o criou. Agora, você acha que
o fato do universo ser inteligível é evidência do quê? De uma inteligência
superior que o criou, ou de um processo aleatório e despropositado?
Como é que a evolução se encaixa nesse modelo?
Temos de ter cuidado aqui, pois a palavra evolução é como a palavra
criacionismo; ela pode ter várias definições, e não vejo problema com algumas
delas. Não vejo problema com o que Darwin observou. Ele foi um gênio! A seleção
natural faz algumas coisas, como mudar bicos de pássaros e coisas assim. O erro
está em acreditar que a evolução faz tudo. A evolução pressupõe a existência de
um organismo replicador mutante. Ela não pode explicar a existência daquilo que
é mutado, não pode explicar a origem da vida. Não estou dizendo que processos
naturais não estão envolvidos; estou dizendo que a inteligência tem de estar
envolvida desde o início. Se você define a natureza como aquilo que a física e
a química podem fazer, a vida parece ser algo sobrenatural. Processos naturais
são ótimos para transmitir informação, mas não para criar informação.
O senhor acredita que Deus criou uma única forma de vida primordial, da
qual todos os seres vivos evoluíram, ou que todas as espécies foram criadas por
Deus da maneira como existem hoje?
Não quero ser dogmático sobre isso. Nós já conversamos sobre a
singularidade que existia na origem do universo. Os físicos concordam que houve
um início, então eles estão em acordo com a Bíblia nesse aspecto. No primeiro
capítulo da Bíblia está escrito: "E Deus disse: faça-se a luz." Então
eu imagino que Deus falou e criou o universo. Depois ele falou de novo, e houve
outras singularidades. Talvez uma delas tenha sido a criação da vida.
Mas o que foi criado exatamente? Vou colocar a pergunta de outra forma:
O senhor acredita na ancestralidade comum de todos os seres vivos, como propõe
Darwin?
Ora, isso está sendo disputado profundamente pelos cientistas nesse
momento. Não sou geneticista, mas estou muito impressionado com as novas
argumentações que estão surgindo nessa área. Elas mostram que a árvore da vida
está morta. O que eu acredito é que houve pontos específicos na história em que
Deus introduziu coisas novas, que não podem ser explicadas apenas pelos
processos naturais que já estavam em curso. Os momentos mais importantes foram
a criação do universo, da vida biológica e da vida humana. Não acredito que os
seres humanos evoluíram de alguma forma animal, puramente por processos
naturais.
O ser humano, então, seria uma singularidade criada por Deus, como o
universo? Ele foi criado da forma como existe hoje?
Isso é o que eu acredito. O que você teria visto se estivesse lá no
momento da criação, eu não sei dizer. O que sei é que os seres humanos são
seres únicos em toda a Criação. A Bíblia diz que eles foram feitos à imagem de Deus.
Em resumo, minha atitude é muito simples: sem Deus, não se pode chegar do nada
a alguma coisa. Sem Deus, não se pode chegar do material ao vivo. Sem Deus, não
se pode chegar do animal ao humano. Acredito nisso não por uma questão de fé,
mas porque é o que as evidências me levam a crer.
É justo que um materialista, como o senhor diz, exija provas de que Deus
existe para acreditar nele?
Sem dúvida, desde que você me explique o que quer dizer por
"provas". Eu trabalho numa área - a matemática - em que "prova"
tem um significado muito específico. É claro que eu não posso provar
matematicamente que Deus existe. Mas eu posso dar evidências e fazer uma
argumentação com base na ciência e em outras disciplinas. Assim como não posso
provar que minha mulher me ama, mas tenho muitas evidências disso. Richard
Dawkins diz que ter fé é acreditar em algo sobre o qual não há provas. Mas isso
é a definição dele. Isso é fé cega. Eu sou um cristão, e a fé cristã é o oposto
da cegueira. Ela é baseada em evidências, como a ressurreição de Cristo, sobre
a qual há evidências históricas, diretas e indiretas.
CRIAÇÃO: "Os físicos concordam que houve um início, então eles
estão em acordo com a Bíblia nesse aspecto"
DÚVIDA: "A pergunta que não quer calar é outra, muito mais profunda:
existe algo eterno, que nunca foi criado?"
EVOLUÇÃO: "Ela não pode explicar a existência daquilo que é mutado,
não pode explicar a origem da vida"
Quem é: John Lennox
Nascido na Irlanda do Norte, é professor de matemática na Universidade
de Oxford
Cristão, é também um estudioso das relações entre ciência e religião.
Publicou vários livros e participa de debates públicos sobre o assunto
Herton Escobar - O Estadao de S.Paulo